"A graça recebida"
Quando a noite se fez, o passadiço do navio se tornou escuro e silencioso, apenas uma lanterna balançava sobre o mastro principal, lançando uma tênue réstia de luz sobre a entrada que dava para o porão. O navio de bandeira inglesa tinha em seu bojo uma carga peculiar, uma das cargas mais infames transportada por um navio. A raça humana não poderia ter descido a um nível mais baixo que este: O transporte de seres humanos em condições de escravidão.
Amortecidos por generosas doses de conhaque, os homens da tripulação espalhados pelo alojamento e parte do convés, dormiam profundamente, pouco se importando com o balanço do navio. O vigia, acomodado na cesta da gávea, tentava se manter acordado contando as estrelas e observando a linha do horizonte. No porão, a carga “Preciosa” composta por homens, mulheres e crianças, tentava se acomodar da melhor maneira possível na tentativa de dormir, mesmo com o ar saturado e o calor infernal que tornava o simples ato de respirar um fardo quase impossível de carregar. Eram comuns, durante a noite, membros da tripulação que perdiam o sono, ouvir sons de lamuria e lamento emitido pelos escravos, melancólicos e saudosos de sua terra natal, da qual sabiam que nunca mais veriam. Alguns desses sons soavam como musicas carregada de uma tristeza sem fim que em alguns casos, penetravam na alma de algum tripulante ou até mesmo do capitão do navio, que ao aportarem no novo mundo, desistiam das viagens e tornavam-se cristãos na tentativa de lavar a alma pelos pecados cometidos. Tais homens, após espiarem seus pecados através de orações e profundas meditações, tornavam-se membros ativos de organizações que lutavam contra o tráfico de escravos.
Com o capitão John Newton não seria diferente. Antes de encontrar o caminho para se aproximar de Deus, ele era o capitão de um navio de escravos que vinha da África Ocidental. Numa dessas noites uma terrível tempestade afundou o navio sob seu comando, John se ajoelhou e pediu clemência ao Criador. Foi atendido e a partir daí passou a acreditar que o Criador ouve e atende orações mesmo feita pelo pior dos homens. Após aquele tempo, John tornou-se pregador da palavra do Criador e escritor de hinos. Foi quando se lembrou que certa vez ao caminhar pelo convés do navio, ele escutou os gemidos vindos do porão, e muitos acreditam que foi assim que ele ouviu entre as lamúrias uma triste canção a qual denominou “Revendo a fé e Expectativa”, mais conhecida como “Graça Recebida”. Ajustando suas palavras a uma melodia escrava composta com poucas notas, ele escreveu uma Ode ao Todo Poderoso em agradecimento pela Graça recebida. John fez a letra baseado em sua experiência pessoal, no entanto, o autor da melodia permanece desconhecido, pois John jamais chegou a ver a face ou soube quem era o homem que em tom de lamuria entoava tão bela melodia. Na musica, ele diz que estava cego, mas agora, através do sofrimento dos negros ele podia ver com clareza e seu caminho foi iluminado pela presença de Deus.
John teve um novo recomeço e sua música ganhou o Mundo e conquistou corações, levantando a cabeça de desesperados e amolecendo os mais duros corações, tornando-se um dos mais belos hinos e comprovando que mesmo dos mais infames atos que possam ser praticados pela humanidade, ainda assim se faz presente a beleza do Criador. Um simples escravo e um ex-capitão de um navio negreiro nos ensinaram que quando louvamos a Deus com fé em nossos corações, brilhamos tanto quanto as estrelas que estão no céu. Não foi por acaso que o caminho de ambos se cruzou, a Graça e a presença do Criador surgem nos momentos mais críticos de nossas vidas, para vê-los, basta abrirmos nossos olhos e corações.
No Universo, a musica se faz presente e seu maestro é o Criador, para ouvi-la e receber a Graça basta buscarmos a presença dele.