"A Bota"
Era um domingo ensolarado do mês de novembro,e surgiu uma das poucas chances que eu tive para conversar a sós com meu avô, o “vecchio” italiano.
Ele não era de muita conversa, por isso o diálogo foi rápido, mas ensinou-me o suficiente para me orgulhar de ser um dos muitos ( 6 milhões) de ítalo-brasileiro.
- Nono,di dove tu há venuto?Perguntei-lhe.
- Della stivale.Respondeu ele.
-Dove? .Perguntei intrigado.
-Della stivale,qui si chiama “bota”,capito ,bambino?
-Si,ma perchè “bota”?
-Bene,è che L’Itália è a somiglianza di uma “bota”,capito adesso piccolino?
-Si,ma perchè tu ha venuto per qua ?
-Lavoro,non si trovava lavoro in Itália,il paese era già roto e....
-Nono per favore,parli più lentamente.Disse-lhe interrompendo.
-Perchè?
- Mi sono perso.Non parlo più bene il italiano.
- Va bene,vogliamo parlare in portoghese e italiano.
-Como disse, a Itália estava arrasada, destruída, física e economicamente, não havia água, eletricidade, trabalho e comida,só nos restando emigrar em busca de um mundo melhor.
E assim,misturando português e italiano a conversa prosseguiu, com ele contando-me,sua partida da velha Itália com o coração batendo forte e a dúvida se um dia voltaria a vê-la.Falou da viagem de navio,onde muita gente adoecia e os que não agüentavam e sucumbiam eram jogados ao mar pois não havia como conservar o corpo até o próximo porto.
Falou,também,da sua chegada no porto de Santos,uma mistura de alegria(por ter chegado vivo),tristeza,saudades(da velha bota),angustia e mais que tudo,esperan-
ça de uma vida melhor.A dificuldade em entender o novo idioma tornava a cena ilária e provocou a maioria dos erros nos sobrenomes passando para seus descen-
dentes que os carregam até hoje.
-Non há tornato per in Itália?
-Bene,oggi per me l’Itália ho rimato addietro.
-Sim,ela ficou para trás,eu sei,mas o senhor ainda é italiano,ou não?
-E vero.Cosi come te.
-Como eu?Come,non capisco?
-Per lo sangue,tu sangue è pari il mio sangue.Per questo tu come me siamo italiani.
-Ah....então mesmo nascendo aqui, falando português,em razão de termos o mesmo sangue também sou italiano?
-Si,chiaro fanciullo! Respondeu ele.
Para encerrar a conversa,meu avô me disse:
-Não importa onde nasceu um homem,o importante é que tenha caráter integro, seja digno de confiança,trabalhador(muito) e acima de tudo ......honesto.
Jamais esqueci essa conversa com meu avô, passei para meus filhos e agora vou trasmitir para meus netos, ressaltando que homens como ele já não existem mais.
FIM